domingo, 18 de janeiro de 2015

Je Suis Charlie


A liberdade de expressão é uma das maiores manifestações da liberdade.
A defesa da liberdade de expressão é sempre urgente em democracia e ultrapassa os limites da luta contra o terrorismo e os fanatismos. Porque a mais grave limitação da liberdade de expressão é o chamado politicamente correto que não é mais do que a agnosia cívica que dá origem às afasias da nossa sociedade democrática que sustentam o pensamento único que se nos impõe como uma ditadura sem oposição. 
Debaixo dessa capa de insensibilidade política grassa a plétora de poderes não controlados pelos cidadãos que traçam o destino do mundo e das sociedades.
A austeridade é uma das manifestações desse estado de coisas fora da racionalidade política que dá sentido à democracia como regime aberto, capaz de sustentar formas de vida cada vez mais emancipadas.
A igualdade está cada vez mais longe do horizonte práxico da cidadania, com a destruição paulatina dos direitos sociais, único legado civilizacional da Europa enquanto ideal cosmopolita de civilização dos povos, em torno do ideal da fraternidade, assente nos direitos humanos e na promoção da humanidade como ideal que a si próprio se reconfigura na racionalidade questionadora de mitos castradores e obscurantistas.
Vista sob este prisma a desvinculação do capital em relação à ordem republicana (no sentido da res publica), assenta na instauração de uma ordem desumana que legitima todas as formas de terrorismo e dá direitos de cidade à mais insana das formas de violência: a defesa da religião e dos seus sucedâneos opiáceos no espaço mediático, através da mais descarada encarnação do mal,  mal que se justifica como negação de todos os valores fundantes da ordem democrática, entre os quais se conta a própria liberdade religiosa (que deve ser encarada como a liberdade de viver a religião e conviver com ela, mesmo sem se assumir uma fidelidade a um credo). 
Basta apontarmos os holofotes para os poderes que lucram com o medo, a violência, o fanatismo, o jihadismo (e todos os outros ismos em que é fértil a imaginação humana), para vermos o que suporta este nosso mundo aterrorizado e aterrorizável: as grandes corporações que vivem do comércio das armas e das consciências, mesmo as desarmadas, em nome de valores transformados em mercadoria, e os seus servidores de fato e gravata, aqui nas sociedades europeias, com outras vestes e barbas hirsutas, noutras paragens mais quentes e mais bombardeáveis. 
Parecerão, por isso, insanos os apelos à concórdia e à compaixão - o fundamento, afinal, da FRATERNIDADE que é um dos valores fundantes das democracias modernas (convém não nos lembrarmos que a Revolução de 1789 é o móbil da invenção da guilhotina). Mas é caso para nos perguntarmos se a ordem do mundo é uma desordem aos olhos da sã razão, não da razão pura, mas da razão ancorada no coração da vida (que deveria ser a vida do coração).
Paulo Feitais

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